sábado, 21 de maio de 2011

#DESFILE DE PAPEL

É da crise que, muitas vezes, surgem as mais interessantes e inovadoras ideias. E esse tipo de história sempre deve ser relembrado.
O estilista Jum Nakao estava em um desses momentos, nos idos de 2004. Depois de conceber seu desfile de inverno Módulos, em que modelos trocavam e mudavam as peças em plena passarela, o artista entrou em um daqueles brancos criativos. Não conseguia pensar no que deveria criar para sua próxima coleção, e a pressão do prazo para a São Paulo Fashion Week do verão 2005 só conseguia deixá-lo mais ansioso.
Jum começou a questionar por que estava em uma profissão tão regida pelo marcado quando, na verdade, sua vocação era meramente criativa. Considerou parar, mudar de área, voltar a ser somente artista plástico e abandonar o estilismo de vez. Não queria adotar a postura de uma grande empresa, que só se preocupa com lucro, para fazer sua marca crescer e ganhar reconhecimento. Faltavam pouco mais de seis meses para o SPFW e ele ainda estava perdido.
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Os amigos, então, lhe perguntaram: “Jum, se você pudesse fazer o que quisesse, sem se preocupar com a parte comercial da grife, o que faria?” Ele disse que sua resposta foi de sopetão, sem nem parar para pensar. “Eu criaria uma coleção de papel.” Ele sabia que precisava fazer algo forte, que expusesse sua indignação em relação aos valores que permeiam a moda, e decidiu mergulhar na ideia bruta de fazer roupas de papel. “É uma matéria-prima que faz parte de quase todos os processos criativos, além de ser sensível, efêmera. Pode guardar palavras que mudam uma vida, pode conter grandes sonhos”, explicou Jum, na palestra A Costura do Invisível (nome do desfile realizado no dia 17 de junho de 2004) que ele deu hoje durante o Rio Fashion Business.
A coleção, inspirada no fim do século 19, deveria ser glamurosa e estonteante, para deslumbrar o público nos curtos sete minutos em que duraria o show. Para fazer com que nenhuma modelo se sobressaísse e dar mais senso de unidade ao todo, a equipe de Jum resolveu criar uma peruca imitando bonecos Playmobil. Com uma maquiagem homogênea, a plateia se identificaria com todas as modelos por igual, sem preferências.
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O papel veio de Londres, já que nenhuma empresa do Brasil quis patrocinar o desfile, muito ousado e duvidoso para a época – e, na verdade, até hoje causaria um grande impacto na SPFW. Os papéis ganharam texturas, foram brocados e lamascados, além de cortados a laser (o time tentou fazer o processo manualmente, mas depois de 2 dias, viram que demoraria 2 anos para ser concluído e abandonaram os estiletes). Depois de 180 dias, o trabalho estava feito e as modelos ficaram sabendo que desfilariam roupas de papel.
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“Mas dissemos a elas que deveriam tomar muito cuidado com as peças, que eram muito frágeisl. Elas não souberam que rasgariam suas roupas até poucas horas antes do desfile porque queríamos manter o sentimento de apêgo aos looks. Era preciso para causar mais sofrimento e contagiar o público na hora que elas rasgassem”, conta Jum. E teve até tutorial para ensinar às meninas a forma mais estratégica de destruir as peças, cada uma muito diferente da outra. Elas receberam a notícia boquiabertas.

Durante a apresentação, muitas das 1.200 pessoas não conseguiram reconhecer que tecido era aquele. Parecia papel, mas a maioria não acreditava – e só entendeu quando viu as modelos destruírem peças que demoraram meses para ficar prontas. Foi o último desfile de Jum Nakao, que abandonou para sempre as semanas de moda do calendário oficial e, hoje em dia, leva trabalhos mais autorais em seu ateliê, dá palestras e tenta convencer os estudantes e interessados em moda que o que realmente importa em um trabalho é sua capacidade transformadora. “No fim do desfile, tinha gente ajoelhada, tentando recolher pedacinhos que tinham sobrado das roupas. Foi neste momento que eu vi que tudo aquilo tinha valido a pena”, lembra Jum.

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